segunda-feira, 6 de abril de 2015

Sobre o financiamento público de campanhas eleitorais

Em tempos de pedidos de impeachment da Presidente Dilma diante da corrupção revelada pela Operação Lava Jato, tem ganhado destaque a proposta de proibição de financiamento privado de campanhas eleitorais, a ser substituído pelo sistema do financiamento público exclusivo. 

Ou seja, pretende-se que todo o dinheiro a ser gasto para eleger quem, muitas vezes, só quer se valer do cargo público para roubar dinheiro público, saia dos cofres públicos. Resumindo, a vítima irá patrocinar o ladrão para que ele possa roubá-la...

Essa proposta faz parte da chamada "Reforma Política", mais demagogicamente chamada de "Reforma Política Democrática" (como se a mera utilização do termo "democrático" já tornasse democrática alguma coisa. Normalmente esse expediente só é usado para ludibriar os mais crédulos.  Lembrem-se que que a Alemanha Oriental, de onde todos queriam fugir, se chamava República Democrática Alemã).

O primeiro passo para a implantação desse sistema foi dado pela OAB, que ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF pedindo que o Supremo declare inconstitucional a doação de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais. Até a presente data, a maioria dos Ministros da Corte já votou pela inconstitucionalidade das doações de empresas. Se nenhum deles reformular seu voto, essas doações serão banidas das campanhas eleitorais. 

Em minha modesta opinião, financiamento de campanhas eleitorais por empresas nada tem de inconstitucional. Ora, pessoas jurídicas, embora não sejam eleitoras, tem personalidade reconhecida pelo Direito e, portanto, tem interesses legítimos que podem ser afetados (positiva ou negativamente) por medidas estatais (executivas ou legislativas). Sem falar que grande parte da economia nacional é movimentada por pessoas jurídicas. Como alijá-las da participação política? Elas já estão em desvantagem por não poderem votar (e não estou defendendo que possam!).

Será que só mais de 26 anos após a promulgação da Constituição é que a comunidade jurídica nacional percebeu que o financiamento de campanha por empresas é inconstitucional? 

Não acredito nessa hipótese. O que penso é que a situação chegou a um ponto em que, diante da omissão dos legitimados (Executivo e Legislativo), optou-se por legislar por via transversa. E todos sabemos que o STF é uma Corte "política", portanto, há chance de essa medida ser chancelada pelos seus Ministros.

Para justificar o fim do financiamento privado, afirma-se que a origem de grande parte da corrupção está nas doações de empresas ou mesmo de pessoas físicas. Segundo os defensores dessa tese, quem doa para campanhas eleitorais sempre quer algo em troca, se e quando o donatário for eleito. 

Dessa forma, a solução inicial seria o fim das doações por empresas (ação  já posta em prática pela OAB) e, posteriormente, o fim de qualquer doação. Todo o recurso viria dos cofres públicos. Do nosso bolso. 

Mas será que isso funcionaria? No fim das contas, não sairia mais barato dar dinheiro público aos políticos ou partidos, em troca da drástica diminuição da corrupção? 

Acredito que não. 

Primeiramente, enquanto não existir um sistema eleitoral imune a caixa-dois, qualquer recurso público aplicado em campanhas políticas será apenas desperdício desse dinheiro. A corrupção continuará existindo para pagar os financiadores ocultos.

Mas a OAB e os defensores do fim do financiamento por empresas ou do fim do financiamento privado, dizem que, com o financiamento público exclusivo os gastos em campanha reduzirão drasticamente, de modo que, qualquer caixa-dois será facilmente detectável.

Ora, mas pelos riscos que atualmente já envolvem o uso de recursos não declarados, sua utilização deve valer a pena. E, para valer a pena, obviamente deverá ser uma quantidade significativa, mesmo nos dias atuais. Em outras palavras, nenhum candidato ou partido assumiria o risco pelo uso de caixa-dois se isso não fizesse a diferença em sua campanha. Assim, se não se detecta essa ilegalidade no sistema atual, dificilmente se detectará no sistema de financiamento público exclusivo.

Sem falar dos riscos de desvio desses recursos para fins diversos dos previstos na lei. Poder-se-ai, por exemplo, desviar parte dos recursos para financiara movimentos ou grupos de ideologia coincidente com a do partido, como o MST, MTST, movimentos abortistas, etc.

Mesmo que não fosse assim, é importante lembrar que o financiamento público exclusivo não é a única forma de reduzir gastos eleitorais de modo a supostamente tornar facilmente identificável qualquer uso de recursos irregulares e de reduzir influências indevidas na atividade dos políticos. 

A Lei n. 9.0504/95, em seu art. 17-A (incluído pela Lei n. 11.300/06) prevê:  

"Art. 17-A.  A cada eleição caberá à lei, observadas as peculiaridades locais, fixar até o dia 10 de junho de cada ano eleitoral o limite dos gastos de campanha para os cargos em disputa; não sendo editada lei até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de gastos, comunicando à Justiça Eleitoral, que dará a essas informações ampla publicidade".

Ou seja, está claro que a lei já prevê, desde o ano de 2006, a necessidade de o Congresso limitar, a cada eleição os gastos que cada candidato ou partido poderão fazer na campanha. Diante da inércia daqueles que hoje engrossam o coro por financiamento público, os partidos podem gastar o que bem entenderem. 

Reconheço que o legislador agiu mal ao exigir que a cada eleição o Congresso aprove uma lei dispondo sobre os limites. Mas o estranho é que, ninguém melhor que os deputados e os senadores para saber das dificuldades de se aprovar uma lei. Parece até que fizeram de propósito. Aprovaram uma lei que saberiam que não iria funcionar, de modo que, na prática os partidos continuassem gastando o quanto quisessem (desde que informassem previamente à Justiça Eleitoral).

Mas se hoje a filosofia dos partidos mudou, se querem gastar menos e sabem que o Congresso não tem condições de cumprir a lei de 2006, então, por que, em vez de jogar o ônus de suas campanhas nas costas do pagador de impostos, eles não fazem uma pequena alteração nesse art. 17-A e incluem a possibilidade de o próprio TSE fixar os limites (de forma principal ou subsidiária - na inércia do Congresso)?  Ou então, por que os parlamentares não fixam uma única vez esses limites e determinam uma regra de atualização dos gastos, de acordo com algum índice inflacionário?

Por que não fazem, pelo menos, o teste?

Para mim, o financiamento público atende apenas aos interesses dos candidatos ou dos partidos, já que existe alternativa mais barata para o contribuinte do que aquela por eles proposta. 

Lembram o que fizeram com as armas? Aprovaram o Estatuto do Desarmamento dizendo que iria reduzir a criminalidade, mas o que se viu foi o aumento da violência. Agora já querem desrespeitar o Referendo que eles mesmos propuseram (curioso essa gente que vive falando em aumentar a participação popular, em referendos e plebiscitos, querendo desrespeitar um referendo já realizado, como se só lhes interessasse as "consultas populares" cujo resultado coincida com seus interesses). 

Será que depois de constatado que o financiamento público não resolve o problema da corrupção (ao contrário do que afirmam categoricamente nos dias atuais) eles não irão propor algo mais drástico? Já pensaram se futuramente concluírem que sem parlamentares, ou sem eleições, será mais fácil evitar a corrupção eleitoral? Hoje isso pode parecer um absurdo, mas cada passo que se dá, cada degrau que se sobe, se fica mais perto de onde se quer chegar. Ou vocês pensam que a Venezuela se tornou o que é hoje da noite para o dia? Se se falasse, no ano que Chávez subiu ao poder, que em alguns anos o Presidente do país governaria por decretos (anulando e tornando praticamente figurativo o Congresso daquele país), como é hoje, acham que alguém acreditaria?

Votando ao Brasil... se o STF confirmar a "inconstitucionalidade" das doações eleitorais por empresas, fazendo secar a fonte multimilionária das campanhas, de onde vocês pensam que virá o dinheiro para compensar essa perda? Das pessoas físicas? Jamais. Primeiro porque fazer doações para partidos e candidatos não faz parte da cultura do brasileiro (especialmente diante do conceito geral que se tem dos políticos); segundo porque a lei limita a doação a 10% dos rendimentos da pessoa física (das poucas que doarão).

Então, a solução natural para a falta de recursos provocados pela ação da OAB será, adivinhem? Financiamento público!

Não por acaso, o orçamento público de 2015 já triplicou o valor dos recursos que o governo destina aos partidos (o fundo partidário). Ou seja, já estão preparando o caminho e, de forma sorrateira. Ninguém votou nenhuma lei sobre financiamento público de campanha, pois sabem que a medida é polêmica e encontra resistência no eleitorado. Então, faz-se a coisa de forma dissimulada.

A cada ano pode-se ir aumentando gradualmente o valor repassado ao fundo e, futuramente, pode-se simplesmente abrir mão do financiamento privado, que então não será mais relevante. Resultado, financiamento 100% público sem nenhum debate, sem que o pagador de impostos perceba. Bem ao estilo de Antônio Gramsci.

E a corrupção e o caixa-dois continuarão...





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