quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Sobre a descriminalização da maconha

Acabo de ler um comentário de um Promotor de Justiça, defendendo a descriminalização da maconha. Ele indaga: "até que ponto o Estado pode criminalizar a ingestão de produtos por pessoas maiores e capazes? Criminalizar maus hábitos de consumo não é uma invasão à privacidade e intimidade do cidadão? Daqui a pouco o Estado babá proibirá a ingestão de chocolate porque contribui para aumentar os índices de diabetes...". Além disso, ele diz que o tabaco mata 5 milhões de pessoas por ano no mundo e o álcool outras 2,5 milhões, enquanto as drogas ilícitas, matam 200 mil, segundo a ONU. E conclui: "Por que não causa indignação o consumo desenfreado de álcool e cigarro? Vamos refletir!!!"

Refletindo, então: Primeiramente, a mim, causa sim indignação o consumo desenfreado de álcool e de tabaco. 

Sobre o álcool, especificamente, causa também medo, porque mesmo sem consumir bebidas alcoólicas corro o risco de sofrer graves consequências pelo consumo dos outros. 



Quanto ao cigarro também, embora os efeitos não sejam percebidos de forma imediata. A propósito, se ninguém respeita as leis que proíbem fumar em determinados lugares ou na presença de determinadas pessoas (como gestantes) a descriminalização da maconha implicará que futuramente seremos também obrigados a fumar a maconha alheia. 



Isso não é uma "invasão de privacidade e intimidade do cidadão"? 

Quanto aos dados da ONU, há alguns questionamentos que devem ser feitos. Primeiro, será que as estatísticas da ONU incluem as pessoas mortas por consequência indireta do uso de drogas ilícitas, como os crimes praticados para manter o vício? Não adianta descriminalizar, viciados vão ser sempre viciados, e sempre estarão dispostos a qualquer coisa para conseguirem recursos para comprar mais drogas. Sobre maconha "não viciar" falarei mais adiante. O outro ponto é que essa estatística pode não ser confiável. A uma, porque sendo ilícitas as drogas, é possível que não se conheça toda a extensão dos efeitos de seu uso escondido, a duas, porque essa mesma ONU, aceita como verdadeira a estatística de que 200 mil mulheres morrem por ano em abortos clandestinos no Brasil. Ora, em 2012 morreram 60.752 pessoas em decorrência de acidentes de trânsito no Brasil. Será mesmo que morrem quase 4 vezes mais mulheres em abortos do que pessoas em acidentes de trânsito? Todo mundo conhece pessoas que foram vítimas do trânsito, mas conhecemos também um número 4 vezes maior de mulheres que morreram em abortos? Além disso, a descriminalização pode importar na elevação do número de usuários, elevando também o número de vítimas. E estudos mais aprofundados (só possíveis de serem realizados com produtos lícitos e com maior mercado consumidor) poderão revelar perigos hoje desconhecidos.

Sobre o "Estado babá" citado pelo Promotor, aquele Estado que se intromete na liberdade individual de pessoas maiores e capazes, esse argumento serviria também contra a obrigatoriedade de cintos de segurança em automóveis e equipamentos de proteção para motociclistas (como capacetes, viseiras etc.). E o pior, serviria também para a descriminalização do crack, da cocaína e outras drogas mais fortes que a maconha. Ora se o cidadão pode fazer o que ele quiser com a sua vida, então deixe ele se drogar o quanto ou como quiser também. Se hoje o cigarro e o álcool servem de argumento para liberar a maconha, futuramente a maconha será argumento para liberar as demais drogas.

Provavelmente esse Promotor que hoje critica o "Estado babá", defende, por outro lado, a figura do "Estado salvador" quando se trata de obrigar entes públicos, sobretudo os massacrados municípios, a custearem custosos tratamentos para pessoas viciadas em drogas. Eu trabalho em um Município que frequentemente recebe citações judiciais de ações propostas pelo Ministério Público (ou até mesmo ilegais "requisições" - que, na verdade, equivalem a ameaças) exigindo que se providencie internações para pessoas dependentes de drogas. Ora, essa pessoa não é "maior e capaz"? Se quer se tornar um zumbi, sem vontade, não deveria assumir sozinha as responsabilidades pelos seus atos? É justo que a sociedade pague a conta dessa "liberdade individual"? É justo que se tenha que desviar recursos de outras áreas prioritárias para se pagar o tratamento de quem livre e espontaneamente resolveu entrar no mudo das drogas?

Voltando à maconha, dizem que ela não vicia. Mas também se diz que a maconha vendida atualmente foi geneticamente modificada para se tornar várias vezes mais poderosa do que a que se vendia algumas décadas atrás. Além disso, também se aceita, com certo consenso, que ela é porta de entrada para drogas mais pesadas. Independentemente disso, é difícil acreditar que álcool vicia, que cigarro vicia e que maconha não vicia. Mas admitamos que a maconha atualmente não vicia. A partir do momento em que for liberada, grandes grupos industriais se interessarão pelo seu comércio, por exemplo, a Souza Cruz. Nesse caso, a "saudável" maconha virá batizada com toda a química presente nos cigarros comuns.

E nem se diga que bastará plantar a própria maconha no quintal de casa. Se nenhum fumante perde tempo plantando tabaco em casa, a esmagadora maioria dos maconheiros também preferirá a comodidade de se adquirir maconha no caixa da padaria. Dali ele já poderá acender seu baseadozinho e sair entorpecendo qualquer transeunte que tiver o azar de cruzar com ele. 

Outro paralelo entre cigarro e maconha pode ser feito para se rebater os argumentos de que a sua liberalização importará no fim do tráfico. Isso porque, a partir do instante em que o Estado entrar na jogo, a maconha passará a ser tributada (esse, inclusive, é um dos argumentos de quem defende a sua legalização: arrecadação de tributos). Sendo assim, é mais do que justo que sofra, pelo menos a mesma carga tributária incidente sobre cigarros, que hoje está próxima de 65% (podendo chegar a 75% em 2015). E o que acontece com o cigarro atualmente? Sua elevada carga tributária fez criar uma indústria criminosa e clandestina que ganha muito dinheiro contrabandeando (tecnicamente seria "descaminho") cigarros do Paraguai. Como o Uruguai está liberando a maconha, provavelmente nascerão quadrilhas especializadas em trazer o produto ilegalmente daquele país, ou do Paraguai mesmo. 

Foto: http://www.tribunadecianorte.com.br/media/webmedia/files/nat_contrabando_cigarro.jpg

Sem falar que continuará a haver tráfico das outras drogas.

Então, a minha opinião é que os defensores da maconha não se importam em nivelar por baixo as coisas. Eles conhecem os males que esta e outras drogas (inclusive as lícitas) causam, mas, se as pessoas podem morrer, matar e causar prejuízos aos particulares e ao Estado utilizando outras substâncias, por que não podem morrer, matar e causar prejuízo aos particulares e ao Estado consumindo maconha ou outras drogas? Não deveriam estar lutando por campanhas eficientes de prevenção ao uso de drogas (inclusive as lícitas)?