segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Uma pequena aula de Direito Administrativo

Neste momento, milhares de prefeitos Brasil afora se preparam para entregar seus cargos e outros tantos se preparam para assumi-los.

Apesar da evolução do Direito, ainda se vê, e muito, municípios em que o governante que sai faz questão de entregar aos sucessores uma Administração nas piores condições possíveis. Há casos de servidores com vencimentos atrasados; de contratos de serviços públicos essenciais não sendo renovados propositadamente (apesar de solicitado pelo administrador que assumirá o Município); lixo pelas ruas; buracos; dívidas; obras paralisadas; dilapidação do patrimônio público para pagamento de despesas corriqueiras, etc. Para isso o Direito ainda não encontrou solução eficaz.

Mas revendo o discurso de passagem de governo do ex-Prefeito de Montes Claros, Antônio Lafetá Rebello, ao seu sucessor, Pedro Santos, em 01 de fevereiro de 1971, percebe-se que não se precisa de leis para se evitar esse tipo de situação. Basta o governante querer, ter respeito com a coisa pública.

Em seu discurso de despedida, Toninho Rebello, ressaltou que entregava a Prefeitura com dinheiro em caixa, sem atrasos nos pagamentos há 4 anos, coisa rara hoje em dia.

A foto acima, na verdade representa um discurso proferido durante uma reunião da Sudene, em Montes Claros. À direita do Prefeito Toninho Rebello, o então Governador Israel Pinheiro.


Além disso, fez questão de pedir os cidadãos que pagassem em dia os seus impostos, para que a Administração que assumiria não enfrentasse as dificuldades que ele havia enfrentado depois da campanha do “não pague impostos”, perpetrada contra a sua Administração.  Ao contrário dos governantes de hoje, ele não desejava o pior para seu sucessor.

Outro ponto interessante em seu discurso foi dizer que “a administração não muda com a mudança dos administradores”. A única impropriedade dessa frase foi o uso da expressão “administração” (significando Administração Pública) com inicial minúscula, porque a “administração” (forma de administrar) muda, mas a Administração Pública (o ente administrado) é o mesmo. Sendo assim, não há legalidade em se recusar o pagamento de fornecedores e de pessoal que prestou serviço durante o mandato anterior sob a alegação que era “dívida do outro prefeito”.

A propósito, essa alegação – de que a dívida é do prefeito anterior – também contraria um dos princípios basilares da Administração Pública, trazidos pela Constituição de 1988, o princípio da “impessoalidade”. Por ele os feitos governamentais não são atribuíveis ao governante, mas à pessoa jurídica por ele administrada. Sob outro prisma, esse princípio também determina que o administrador não pode direcionar sua conduta para beneficiar ninguém de forma específica, pessoal  (obviamente que o Direito também não permite prejudicar deliberadamente uma comunidade inteira, por maior que seja...).

O curioso é que, já no ano de 1971, Toninho Rebello utilizava-se da expressão “impessoal” ao tratar de sua administração. Também já se valia do termo “moralidade”, outro dos princípios da Administração Pública que só viria a ser incluído na Constituição de 1988. Ademais, também se pode ler em seu discurso referências a “planejamento” e a “interesse da comunidade” (interesse público).  São expressões que os Administradores de hoje deveriam conhecer há muito tempo, mas que muitas vezes não as colocam em prática.

A conclusão a que se chega é que não é necessária a existência de uma lei para que se faça um governo verdadeiramente voltado ao interesse público. Por outro lado, constata-se, tristemente, que as leis atualmente existentes não tem se mostrado eficazes para exigir-se dos Administradores Públicos o cumprimento de suas determinações. 


Abaixo o original do discurso do então Prefeito, Toninho Rebello. Quando tiver disponibilidade de tempo, pretendo transcrevê-lo para formato de texto.


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