domingo, 20 de julho de 2014

A farsa do "Mais Médicos"

Depois de um bom tempo planejando escrever esse post sobre o "Projeto Mais Médicos para o Brasil", resolvi finalmente colocar a ideia em prática.

Para quem não sabe, o "Projeto Mais Médicos para o Brasil" não se confunde com o "Programa Mais Médicos". Este último é mais abrangente, envolve regras sobre autorização de novos cursos de medicina; a formação médica no Brasil e, o "Projeto Mais Médicos para o Brasil", que, por sua vez, é o que as pessoas, de uma forma geral, conhecem como "Mais Médicos". Ou seja, o "Projeto Mais Médicos para o Brasil" corresponde àquelas medidas que culminaram com a vinda de cerca de 11.000 supostos médicos cubanos para o país.

Se você não sabia dessas diferenças, não se preocupe. Até mesmo a União e a AGU fazem confusão com esses termos.  O governo dissimulou tanto as coisas que até ele mesmo acaba se confundindo.

Pois bem, o que eu pretendo lhes mostrar nas próximas linhas é que esse "Projeto" não passa de um grande engodo, repleto de ilegalidades e justificativas inválidas.

Provavelmente você deve imaginar que o "Programa Mais Médicos" e, por extensão, o "Projeto Mais Médicos para o Brasil" foram criados (através da Medida Provisória n. 621, de 8 de julho de 2013) como resposta do governo às manifestações que tomaram conta do país a partir de junho do ano passado.

Provavelmente você também deve imaginar que os médicos estrangeiros só vieram para cá porque os médicos brasileiros não se prontificaram a ocupar todas as vagas ofertadas e que os cubanos só foram chamados aos milhares porque também os médicos de outros países não se apresentaram em número suficiente para suprir a urgente demanda do país.

Se é assim, ou você imaginou errado ou alguém mentiu para você. A verdade é que a vinda dos médicos cubanos já estava preparada desde 2012, quando sequer se sabia que haveriam as manifestações (se bem que há indícios de que essas manifestações foram estimuladas pelo próprio governo, conforme nos conta o Padre Paulo Ricardo: http://www.youtube.com/watch?v=VKNG57oqJng ). Desse modo, não poderia o governo criar um programa de atração de médicos que tivesse grande adesão de brasileiros e de estrangeiros não cubanos.

Como eu posso afirmar isso? 

Vamos aos fatos:

1 - Na Administração Pública os documentos não costumam tramitar "soltos" pelas repartições. Eles são autuados e formam processos. Ocorre que o "Termo de Cooperação Técnica" firmado entre o Ministério da Saúde do Brasil e a Organização Pan-Americana da Saúde - OPAS, que propiciou a vinda dos médicos cubanos, foi autuado sob o número 25000.223376/2012-63.  Notaram a referência ao ano de 2012? Vejam a imagem abaixo: 


Isso demonstra que esse "Termo de Cooperação" já estava sendo preparado no ano anterior às manifestações e à edição da Medida Provisória do "Mais Médicos";

2 - Todas as datas existentes neste "Termo de Cooperação" estão, curiosamente, em branco. Apenas o ano  (2013) está preenchido. Isso pode significar que ele foi elaborado com relativa antecedência, quando se sabia somente que iria vigorar em 2013, sem contudo se ter uma definição do dia e do mês (nesse caso haveria uma margem de segurança de 12 meses).





3 - Na primeira imagem (aquela com o número do processo), reparem que, ao firmarem o "Termo de Cooperação", o projeto para o qual ele se destinava se chamava "Projeto Ampliação do Acesso da População Brasileira à Atenção Básica em Saúde". Está lá, em negrito e com letras maiúsculas. Àquela época não se falava em "Projeto Mais Médicos para o Brasil", certamente porque tal "Projeto" sequer existia, embora o propósito de importar "médicos" cubanos a todo custo já estivesse definido. 

Se o "Mais Médicos" não existia, o governo não sabia se, acaso criado um programa nos seus moldes, haveria adesão insuficiente de médicos brasileiros ou estrangeiros, que justificasse a vinda de cubanos. E, mesmo depois de criado o "Programa", para todos os efeitos da propaganda do governo/partido, os médicos brasileiros só não preencheram todas as vagas disponíveis porque são das "zélite" e não gostam de pegar em pobre. Vejam o que a Dilma falou: 



"É importante dizer que os médicos estrangeiros, não só cubanos, vêm ao Brasil para trabalhar onde médicos brasileiros formados aqui não querem trabalhar” (http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2013-08-28/e-um-imenso-preconceito-afirma-dilma-sobre-reacao-contra-medicos-cubanos.html).

Em nenhum momento ela disse que o número de brasileiros era insuficiente. Ao contrário, fez questão de dizer que só não estão trabalhando nos postos hoje ocupados por cubanos porque não querem!

Então, sem a informação de que os brasileiros e outros estrangeiros não adeririam ao "Projeto Mais Médicos para o Brasil" em número suficiente, ao garantir a vinda dos cubanos o governo brasileiro pensou primeiro no "plano C" (por coincidência, 'C' de cubanos) e somente depois nos planos "A" e "B" (brasileiros e outros estrangeiros, respectivamente). Estranho, não? Tudo está a indicar que o "plano C", na verdade, sempre foi o "plano A", e os planos "B" e principalmente o "A" não passam de uma farsa para desviar o foco e - com a vantagem de propiciar ao governo um culpado pela má gestão da saúde pública no país. 

4 -  Além disso, e como prova irrefutável de que, no mínimo, a vinda dos cubanos já era programada antes das manifestações, temos a publicação no Diário Oficial da União, em 30 de abril de 2013 (pelo menos 30 dias antes do início das manifestações e mais de 60 dias antes da edição da Medida Provisória que criou o "Programa Mais Médicos") do extrato do termo de cooperação técnica entre o Ministério da Saúde e a OPAS. Assim, não se pode negar que nesta data esse acordo já existia (embora não se possa afastar a possibilidade de existência anterior a esta data, como explicado acima).


Portanto, fica claro que o governo federal, mesmo sem o pretexto das manifestações, já havia decidido a vinda de supostos médicos cubanos para o Brasil, não sendo razoável pensar que iria, posteriormente, criar um programa que inviabilizasse esse plano. É o que aconteceria se o "Projeto Mais Médicos para o Brasil" desse certo e todas as vagas fossem supridas por Brasileiros, ou estrangeiros de outras nacionalidades. Nesse caso os irmãos Castro ficariam a ver navios, sem receber a comissão de bilhões de reais que hoje a companheira Dilma deposita nas contas da ilha (como se sabe, dos R$ 10.000,00 gastos pelo governo brasileiro com cada cubano, apenas o equivalente a US$ 1.000,00 são entregues ao profissional (sendo que, inicialmente apenas US$ 400, lhe seriam entregues no Brasil).

Com essa medida minuciosamente preparada, o governo brasileiro matou dois coelhos de uma vez: conseguiu financiar com bilhões de reais a ditadura cubana (por quem nutre tanto apreço que foi capaz de ceder em 17/07/14 uma residência oficial da Presidência da República - a Granja do Torto - ao ditador Raul Castro - privilégio somente conferido ao, não menos ditador, Nicolás Maduro) e, de quebra, elegeu para as massas um novo inimigo público número um: os médicos brasileiros (que se recusaram a atender nos postos onde os bonzinhos cubanos irão trabalhar).


Mas não é só isso que demonstra a falácia dos argumentos do governo para justificar a quebra de paradigmas legais e constitucionais para implantação do "Projeto Mais Médicos para o Brasil".

Na contestação apresentada em uma Ação Popular que questiona a legalidade do "Projeto", o Ministério da Saúde afirmou que o Brasil possui 1,8 médicos para cada grupo de 1.000 habitantes e que a meta a ser buscada é elevar essa taxa para 2,7. Diz o Ministério que esse número (2,7) foi escolhido por ser esta a taxa de médicos por habitante do Reino Unido, "país que, depois do Brasil, tem o maior sistema de saúde pública de caráter universal orientada pela atenção básica".


Aqui cabe uma observação. É, no mínimo curioso o governo do PT afirmar que 1,8 médico por 1.000 habitantes é um número insuficiente quando se sabe que no ano de 2003 o Deputado Arlindo Chinaglia, do PT, apresentou um projeto de lei que proibia a criação de cursos de medicina e o aumento do número de vagas existentes pelo prazo de 10 anos.


Na época o Deputado justificou:



 “O Brasil já tem uma relação de médicos por habitante acima do índice recomendado por instituições internacionais que é de 12 médicos para 10.000 habitantes [ou 1,2 por 1.000]. Essa proporção deverá continuar crescendo com rapidez, uma vez que o aumento da população de médicos – que tem se mantido constante – é maior do que a taxa de crescimento do total da população (que tem decrescido)"

Ou seja, o PT reconheceu que o índice recomendado por instituições internacionais era de 1,2 médico por 1.000 habitantes. Hoje, com um índice de 1,8/1.000 o PT diz que o número é insuficiente e propõe soluções diametralmente opostas às pretendidas na época (inclusive a desnecessidade do "Revalida," que era uma exigência do projeto Chinaglia - além da preocupação com o número excessivo de profissionais, o Deputado petista também se dizia preocupado com a "gravíssima ameaça resultante de cursos de Medicina de má qualidade, no Brasil ou no exterior").


Por falar em qualidade, outro argumento falacioso e contraditório do governo e do PT é o de que o "Revalida" não poderia ser exigido dos cubanos porque "a partir do momento em que o profissional tem o seu título revalidado, ele vai atuar em qualquer lugar" (Jorge Messias - MEC). 

É falacioso porque, a partir do momento em que o profissional tem um contrato com o governo, ele tem que cumpri-lo. E, se o governo oferece boas condições profissionais, não haveria necessidade de trabalhar em qualquer outro lugar, sem falar que os cubanos vieram para o Brasil para ajudar, não para ganhar dinheiro (como eles mesmos sempre ressaltam!). Além disso, seria perfeitamente possível se criar um Revalida só para a atenção básica (ou só para o Mais Médicos, assim como o governo criou um registro profissional só para o projeto). O risco aí seria o governo fazer uma prova de faz-de-conta, para todos os cubanos passarem.

Além de falacioso, esse argumento de que não se poderia fazer o Revalida é altamente contraditório, pois para "fazer média" com a população e demonizar o médico brasileiro o governo sempre ressalta que "os médicos que se formaram no Brasil, ou com diplomas revalidados no país, terão prioridade de vagas" (trecho da contestação à Ação Popular proposta contra o "Projeto Mais Médicos para o Brasil)". Ora, se a possibilidade de trabalhar em outros lugares seria a ruína do "Projeto", então como se acreditar que o governo considera que a contratação de médicos com Revalida ou formados no Brasil era prioridade? O inverso também é verdadeiro. Se a contratação de médicos aptos a trabalhar no Brasil era prioridade, como se pode alegar que o Revalida inviabilizaria o "Projeto"? 

Voltemos ao Reino Unido. Como eu ia dizendo, aquele país é usado como modelo para justificar o "Projeto Mais Médicos para o Brasil", e, para alcançar a meta de 2,7 médicos por 1.000 habitantes, segundo o próprio Ministério da Saúde, seriam necessários 168.424 médicos a mais. Cento e sessenta e oito mil, quatrocentos e vinte e quatro médicos a mais!

Ora, se o governo e o Ministério fazem terrorismo social com um déficit de 168.424 médicos, e se eles mesmos reconhecem esse número como meta, por que então criaram um programa que ofende diversas normas jurídicas (inclusive a Constituição Federal), para "resolver" menos de 10% do problema (apenas 14.000 médicos integram o "Projeto Mais Médicos para o Brasil")?  Se é para ofender o Direito (coisa que eu não defendo) então que se resolva 100% do problema, afinal todos os jeitinhos imagináveis o governo praticou para criar esse projeto, não se justificando que permaneça com mais de 90% do problema sem solução!


Mas se o SUS do Reino Unido de repente se tornou modelo para o Brasil, por que então não se divulga estatísticas sobre o número de leitos por habitantes daquele país, para que se possa comparar esse número com o de leitos por habitantes do Brasil? Quem sabe não chegaríamos à conclusão de que também seria necessário um "Projeto Mais Leitos para o Brasil"? Mas não dá para importar leitos de Cuba, né? Já pensaram o Brasil pagando R$ 10.000,00 por leito cubano que, na verdade custariam apenas US$ 1.000,00 cada?


Talvez essa estatística não seja revelada porque, o governo brasileiro, além de não poder importar leitos de Cuba, sabe que, entre 2002 (último ano de FHC) e 2012 o número de leitos hospitalares no país teve uma redução de 15%. De 2005 a 2012, só o SUS fechou 41.713 leitos. ( http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/aecio-poe-o-dedo-da-ferida-do-programa-mais-submedicos-ou-os-apalpadores-e-a-reducao-dos-leitos-hospitalares/ )

É claro que o governo não quer divulgar esses dados, porque sabe  que aí não poderia jogar a culpa nos médicos brasileiros, mas apenas em si próprio.  Ademais, provavelmente passaria por um vexame maior do que o da seleção brasileira se fosse comparar esses dados com os do Reino Unido (e olha que nem estamos falando da qualidade dos hospitais onde esses leitos estão instalados).


Assim, a conclusão a que se pode chegar é que as justificativas do governo para criar o "Projeto Mais Médicos para o Brasil" não passam de pretextos falsos ou insuficientes para importar milhares de supostos médicos de Cuba, deixando bilhões de reais para a ditadura cubana.


Como foi dito acima que esse projeto ofende diversas normas jurídicas, e apenas para não deixar o leitor com dúvidas acerca de quais seriam essas normas, faço, para concluir, uma pequena lista das irregularidades existentes:


1 - trata-se de desvio de finalidade, pois criou-se um pseudo curso de aperfeiçoamento para na verdade esconder contratação de pessoal;


2 - sendo contratação de pessoal, violou-se a regra constitucional que exige a realização de concurso público - nem se pode dizer que se trata de contratação temporária, pois não houve inclusão desse projeto na lei que trata do assunto e, porque o STF já se manifestou, em mais de uma oportunidade, que é inconstitucional a contratação temporária de pessoal da saúde;


3 - ausência de urgência que justificaria a edição de uma medida provisória, pois o governo não pode, por sua própria omissão, fabricar uma urgência para se eximir da submissão ao processo legislativo ordinário (os procedimentos normais para aprovação de um lei);


4 - danos ao erário, pelo não recolhimento do imposto de renda dos salários dos médicos participantes (que o governo travestiu de "bolsa", que é isenta);


5 - desrespeito ao princípio da isonomia, porque o governo tenta justificar a validade do pseudo curso de aperfeiçoamento usando como comparação os cursos de residência médica. Ocorre que os médicos residentes fazem jus a um título; se dedicam 60 horas semanais ao curso e, em troca, recebem meros R$ 2.384,82, enquanto os participantes do "Mais Médicos" não tem titulação prevista em lei; se dedicam apenas 40 horas no "curso" - que, por sinal é feito à distância (curso de medicina à distância?) e ainda ganham mais que 4 vezes mais que os residentes;


6 - desrespeito ao princípio da isonomia em relação aos médicos cubanos - que não recebem integralmente os R$ 10.000,00 pago aos participantes de outras nacionalidades;


7 - violação, por extensão, da norma do próprio "Projeto Mais Médicos para o Brasil" que afirma que a "bolsa" de R$ 10.000,00 será devida ao médico, não ao governo de seu país;


8 - dano aos cofres públicos, porque se os cubanos aceitam salário de US$ 1.000,00 (ou até menos), o Brasil não precisaria gastar R$ 10.000,00 com cada um deles;


9 - desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, pois bilhões de reais serão omitidos da folha de pagamento - já que o governo os travestiu de "bolsa" - não impactando no percentual da receita que pode ser gasto com pessoal, como determina a LRF;


10 - violação do Código Global de Práticas Internacionais de Recrutamento de Pessoal da Área da Saúde, que o próprio Ministério da Saúde afirma, exige "igualdade de tratamento entre profissionais de saúde migrantes e profissionais de saúde formados a nível nacional"; além de gozarem "dos mesmos direitos e responsabilidades legais que os profissionais de saúde formados a nível nacional, em todos os termos de emprego e condições de trabalho" etc.;


11 - assinatura de acordo internacional gravoso ao patrimônio nacional (convênio com a OPAS, que, por sinal, fica com 5% de todo o dinheiro gasto com os cubanos), sem aprovação do Congresso Nacional etc.